Os empréstimos em yuan concedidos pela China no exterior estão registrando um crescimento sem precedentes, um movimento estratégico de Pequim para impulsionar a presença de sua moeda nas finanças globais e, simultaneamente, diminuir a vulnerabilidade do país à influência do dólar americano. Esta campanha de longo prazo intensifica-se em um cenário de crescentes tensões geopolíticas e comerciais, onde a diversificação monetária é vista como uma prioridade.
Nos últimos cinco anos, os empréstimos externos, depósitos e investimentos em títulos realizados por instituições financeiras chinesas experimentaram uma notável expansão, quadruplicando para um total superior a 3,4 trilhões de yuans, o equivalente a aproximadamente US$ 480 bilhões. Essa trajetória ascendente reflete a dedicação dos formuladores de políticas chineses em redefinir o panorama financeiro global, afastando-se da centralidade da moeda norte-americana e buscando um sistema multipolar mais equilibrado.
Empréstimos em Yuan Disparam com Estratégia Chinesa
Para concretizar essa ambição, a China tem implementado uma série de medidas, incluindo a abertura de novos canais para que investidores internacionais possam adquirir títulos denominados em yuan. Contudo, o foco principal das autoridades chinesas tem sido no fortalecimento do papel do yuan no comércio exterior. Essa estratégia não apenas visa promover a moeda, mas também funciona como uma salvaguarda contra políticas externas que poderiam utilizar o dólar como ferramenta de pressão, como as recentes sanções impostas pela União Europeia a bancos chineses, acusados de facilitar a obtenção de componentes de armamentos pela Rússia.
De acordo com Adam Wolfe, economista de mercados emergentes da Absolute Strategy Research em Londres, a liquidação em yuan é de suma importância para a China, pois “mostra que, não importa o que aconteça, ela ainda pode comercializar”. Essa visão ressalta a busca por autonomia e resiliência econômica diante de um cenário global volátil.
Dados recentes divulgados pela Administração Estatal de Câmbio da China corroboram essa tendência. A última década testemunhou um aumento de mais de 100% nos ativos de renda fixa externos dos bancos chineses, ultrapassando a marca de US$ 1,5 trilhão. Deste montante, a fatia denominada em yuan teve um crescimento acelerado, atingindo quase US$ 484 bilhões até o final de junho do ano corrente. Especificamente, os empréstimos e depósitos em yuan somaram US$ 360 bilhões, um salto significativo em relação aos US$ 110 bilhões registrados em 2020.
A Ascensão do Yuan no Financiamento ao Desenvolvimento e Comércio
O Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma instituição que reúne bancos centrais de diversos países, também estima que os empréstimos bancários externos em yuan para mutuários em nações em desenvolvimento cresceram em US$ 373 bilhões nos quatro anos encerrados em março passado. O BIS observou que “o ano de 2022 marcou um ponto de virada, afastando-se do crédito denominado em dólar e euro e voltando-se para o crédito denominado em yuan” para esses mutuários, evidenciando uma mudança estrutural no financiamento internacional.
A atratividade das taxas de juros relativamente baixas na China tem incentivado mutuários soberanos a converterem dívidas antigas, originalmente em dólar, para yuan. Países como Quênia, Angola e Etiópia já realizaram essa conversão neste ano. Além disso, Indonésia e Eslovênia anunciaram planos para emitir títulos em yuan, e o banco de desenvolvimento do Cazaquistão, no mês passado, efetuou a venda de um título offshore de 2 bilhões de yuans com um rendimento de apenas 3,3%, demonstrando a confiança crescente na moeda chinesa.
Uma parcela substancial da expansão dos empréstimos em yuan está concentrada no financiamento comercial. Dados fornecidos pela Swift, a rede global de pagamentos transfronteiriços, revelam que a participação do yuan no financiamento comercial global quadruplicou nos últimos três anos, alcançando 7,6% em setembro. Esse avanço posiciona o yuan como a segunda moeda mais utilizada no financiamento comercial, logo após o dólar americano.
Infraestrutura e Sistemas de Pagamento da China
Para consolidar o uso do yuan em transações internacionais, a China tem fortalecido sua rede de bancos de compensação offshore, que inclui tanto instituições chinesas quanto estrangeiras, e expandido suas linhas de swap com parceiros comerciais ao redor do mundo. Paralelamente, Pequim tem impulsionado ativamente o uso de seu próprio sistema de pagamentos transfronteiriços, o Cips (Cross-Border Interbank Payment System).
O Cips registrou um crescimento expressivo: o valor das transações, que era insignificante há uma década, superou 40 trilhões de yuans em cada trimestre desde o início do ano passado. Esse avanço se deu mesmo com uma leve queda na participação do yuan nos pagamentos globais via sistema Swift, sugerindo, segundo Bert Hofman, professor do Instituto do Leste Asiático da Universidade Nacional de Singapura, uma migração de pagamentos para a plataforma chinesa. Tal movimento reforça o desejo de Pequim de transitar de um sistema monetário global dominado pelo dólar para um modelo multipolar.

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Autoridades chinesas, conforme Hofman, acreditam que “um sistema baseado no dólar é inerentemente instável e tem desvantagens que um sistema de múltiplas moedas não teria”. Essa percepção impulsiona a busca por maior diversificação e estabilidade global, conforme pode ser compreendido em análises sobre a evolução da moeda chinesa.
Desafios e Soluções para a Internacionalização
Dados alfandegários chineses indicam que esses planos estão avançando. O valor do comércio chinês disparou para mais de 1 trilhão de yuans por mês na última década. Atualmente, aproximadamente 30% do comércio da China e mais da metade de suas transações transfronteiriças são liquidadas na moeda nacional.
Contudo, os controles de capital impostos pela China têm historicamente limitado o apelo internacional do yuan. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a moeda representava apenas 2,1% das reservas oficiais no início deste ano, em parte devido à escassez de ativos em yuan prontamente disponíveis no mercado global.
Para contornar esses obstáculos, os formuladores de políticas estão agindo. As autoridades de Hong Kong, por exemplo, iniciaram um plano ambicioso para transformar a cidade em um centro de negociação de renda fixa e moedas. Simultaneamente, Pequim abriu seu mercado doméstico de recompra interbancária para investidores estrangeiros, permitindo-lhes utilizar ativos de renda fixa em yuan como garantia para empréstimos. Karen Lam, chefe de securitização e derivativos de Hong Kong no escritório de advocacia Simmons & Simmons, destaca que essa iniciativa “lida com alguns dos pontos problemáticos para investidores estrangeiros”, pois “só faz sentido para os investidores alocarem mais nesses ativos se puderem usá-los para mais do que apenas manter e gerar renda.”
No mês passado, Hong Kong delineou um “roteiro” para fortalecer seus mercados, focando na emissão e liquidez, especialmente em yuan. Paul Smith, chefe de mercados para Japão, norte da Ásia e Austrália no Citi, compara essa iniciativa ao que Hong Kong realizou com os programas de conexão de ações, afirmando que “em última análise, isso acelerará o yuan como moeda de financiamento.” No verão, Pequim também ampliou o programa de conexão de títulos para permitir que mais investidores chineses do continente apliquem no mercado de renda fixa de Hong Kong, conectando, assim, emissores offshore de dívida em yuan com um “profundo pool de liquidez em yuan”, como descreve Smith.
Especialistas geralmente concordam que a China não almeja que o yuan substitua o dólar americano como moeda hegemônica no sistema financeiro global. No entanto, ao impulsionar a participação da moeda chinesa no comércio e investimento internacionais, “a China pode obter o melhor dos dois mundos”, segundo Paul Smith. Analistas indicam que as políticas de Pequim estão gradualmente aproximando esse objetivo. “A política está avançando muito gradualmente, mas todos os elementos que fariam uma internacionalização muito mais rápida funcionar estão se encaixando”, conclui Bert Hofman.
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Em suma, a intensificação dos empréstimos em yuan no cenário internacional é um reflexo claro da ambiciosa estratégia da China para redefinir sua posição financeira global. Com um crescimento expressivo e o desenvolvimento contínuo de infraestruturas de pagamento, a moeda chinesa consolida seu papel, buscando um sistema financeiro multipolar e menos dependente do dólar. Para aprofundar-se em como essas dinâmicas impactam a economia global, continue acompanhando nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Kirill Kudryavtsev – 8.mai.25/AFP


