O Brasil está se posicionando como um protagonista essencial na corrida global pela descarbonização do transporte marítimo, especialmente através da adoção de biocombustíveis para navegação. Especialistas do setor acreditam que o país tem o potencial de liderar essa transição energética e fortalecer essa mensagem estratégica durante a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que se aproxima. Este movimento ganha relevância em um panorama geopolítico complexo, marcado por debates intensos sobre a redução de emissões globais.
A discussão sobre a sustentabilidade no setor marítimo foi intensificada após a Organização Marítima Internacional (IMO) enfrentar a ausência de um consenso entre seus Estados-membros em relação ao Marco Net-Zero de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Este cenário de indefinição ressalta a importância de soluções inovadoras e pragmaticas que possam impulsionar a agenda climática global.
Brasil Lidera Biocombustíveis para Navegação na COP30
A definição da estrutura para as metas de redução de emissões no transporte marítimo foi adiada em 17 de outubro, em virtude da falta de acordo e da significativa oposição dos Estados Unidos a uma proposta de “imposto global sobre o carbono”. Para alcançar as ambiciosas emissões líquidas zero, a Organização Marítima Internacional (IMO) havia sugerido, ainda em abril, a implementação de dois pilares fundamentais: um padrão global de combustível e um mecanismo global para precificação de emissões de carbono. A expectativa era que essas normas começassem a ser aplicadas gradualmente a partir de 2027. Contudo, as tentativas de avançar nas diretrizes para o Marco Net-Zero continuarão sendo debatidas por um grupo de trabalho ao longo desta semana, com a expectativa de novas discussões daqui a doze meses.
A Vantagem Estratégica dos Biocombustíveis Brasileiros
Neste contexto de busca por soluções, o Brasil tem um interesse particular na discussão sobre o padrão de combustível. Os biocombustíveis produzidos no país, como o biodiesel e o etanol, são classificados como “drop-in”. Isso significa que são compatíveis com os motores existentes nas embarcações, dispensando a necessidade de modificações caras e complexas na frota atual. A representação brasileira na IMO tem defendido ativamente a utilização dos biocombustíveis de primeira geração como uma alternativa viável ao bunker, o óleo de origem fóssil tradicionalmente usado nos navios.
A viabilidade e o potencial dos biocombustíveis como uma solução climática para o setor de transportes têm sido apresentados em diversos fóruns internacionais, incluindo o G20 e o Brics. A mais recente defesa ocorreu durante a Pré-COP, evidenciando o compromisso do Brasil com essa pauta. No entanto, os biocombustíveis nacionais encontram resistência por parte de países europeus, que priorizam outras fontes energéticas, como amônia verde, hidrogênio e metanol, como substitutos para os combustíveis fósseis.
Desafios Geopolíticos e a Visão do Setor
“A IMO é notoriamente influenciada por questões geopolíticas, com a Europa, por exemplo, exercendo um papel significativo na moldagem de regulamentações e apresentando um obstáculo inicial relevante”, analisa Camilo Adas, diretor de Transição Energética e Relações Institucionais da Be8. A Be8, empresa ligada ao Grupo ECB, é líder no mercado nacional de biodiesel, o que confere peso à sua perspectiva.
A falta de consenso na IMO gerou frustração na International Chamber of Shipping (ICS), entidade que representa mais de 80% da frota mercante global. “A indústria necessita de clareza regulatória para poder investir em combustíveis alternativos e em tecnologias de descarbonização. A incerteza atual apenas posterga decisões cruciais para o futuro do setor”, afirmou Thomas A. Kazakos, secretário-geral da ICS.
Adas, que também faz parte do Conselho do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB), defende que o Brasil deve usar a plataforma da COP30 para promover intensamente a mensagem de sua biotecnologia e bioenergia. Para ele, esta é uma oportunidade ímpar para demonstrar que essas fontes de energia renovável não representam qualquer ameaça à produção de alimentos. “Já foi comprovado que não existe o dilema ‘Fuel x Food’. O que realmente existe é uma complementaridade entre o prato e o tanque, onde terras degradadas podem ter sua produtividade aumentada com a produção de matéria-prima para o biodiesel”, sustenta Adas. Ele se refere a um estudo conduzido pela professora Glaucia Mendes Souza, da Universidade de São Paulo (USP), e coordenadora da Força-Tarefa de Descarbonização de Biocombustíveis para Transportes da Agência Internacional de Energia (AIE).

Imagem: cnnbrasil.com.br
Potencial Econômico e Recomendações para o Futuro
Além da urgência climática, a discussão sobre biocombustíveis para navegação revela números promissores. Um relatório recente da consultoria Boston Consulting Group (BCG) destaca as condições favoráveis do Brasil para se tornar um pilar fundamental na descarbonização do transporte marítimo. O estudo indica que o país seria capaz de suprir até 15% da demanda global por biocombustíveis para navegação, o que resultaria na evitação de 170 milhões de toneladas de CO2 e atrairia US$ 90 bilhões em investimentos.
Nilton Mattos, sócio de Infraestrutura e Energia, e Antonio Augusto Reis, sócio de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do escritório Mattos Filho, veem com otimismo o sistema híbrido proposto pela IMO para o Marco Net-Zero. Este sistema combina a eficiência da frota com incentivos ou penalidades baseadas na emissão de carbono. “A variável de intensidade de carbono é bastante útil, pois não limita o volume de emissões, mas condiciona que o navio seja mais eficiente em seu uso de combustível, o que pode abrir uma grande oportunidade para o Brasil”, apontam os especialistas.
Para que o potencial brasileiro se materialize, o BCG ressalta a importância de um arcabouço regulatório robusto da IMO, juntamente com a criação de mecanismos de incentivo claros até 2027. A adaptação de motores a metanol, tornando-os compatíveis com etanol, também é apontada como crucial.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), igualmente enfatiza a essencialidade de políticas de incentivo para a descarbonização marítima. “Regimes de incentivos e subvenções são vitais para acelerar a aceitação e o investimento em novas tecnologias nos portos, transportes e embarcações”, destaca a EPE em nota técnica sobre o transporte aquaviário. Os sócios do Mattos Filho complementam que a infraestrutura portuária, tanto em escala global quanto local, necessita de avanços significativos. “Precisamos de uma rota global onde combustíveis sustentáveis sejam facilmente acessíveis. Não basta apenas ofertá-los no Brasil e não ter onde reabastecer na China, que é um dos principais destinos das exportações brasileiras”, concluem.
Confira também: Investir em Imóveis na Região dos Lagos
Em suma, a posição do Brasil em relação aos biocombustíveis para navegação representa uma oportunidade estratégica não apenas para a redução das emissões no transporte marítimo global, mas também para o desenvolvimento econômico do país. A COP30 emerge como um palco crucial para o Brasil consolidar sua liderança e influenciar as diretrizes internacionais. Para continuar acompanhando as últimas notícias sobre economia, sustentabilidade e inovação, visite nossa seção de economia e mantenha-se informado.
Crédito da imagem: CNN Brasil


